A repórter Lena Pereira e o promotor Wesley Salles acompanharam a nossa missão do final de semana. Eles abraçaram a causa e compartilharam conosco momentos de emoção e de muito trabalho.
Seguem posts da Lena, no blog da Rádio Globo. E as atualizações continuam...Sopa e descanso merecidos na noite de sábado
A noite já caiu completamente e é hora de voltar. Fica mais difícil encontrar o caminho nas estradinhas de terra sem qualquer iluminação além do farol dos jipes. Apenas os aparelhos de GPS levam os volutários de volta à RJ-130. Na Queijaria Escola, uma surpresa desagradável: dois carros de voluntários estão trancados no estacionamento. Pela passagem de pedestras, é possível recuperar ao menos as mochilas. Algumas meninas permanecem no local, aguardando a chegada da proprietária que irá abrir o portão.
São 20h30. O restante do grupo vai para o hotel Shangrilá, tomar aquele banho merecido e uma sopa quente, negociada no pacote a preço baixo especialmente oferecido aos voluntários. Às 22h30, parte do grupo toma uma cervejinha no centro de Friburgo. Depois de um dia recompensante, mas cansativo, ninguém precisa ser de ferro.
A noite chega, mas o trabalho continua
Já passa de 16h. Chegar aos 64 pontos pretendidos se torna tarefa impossível para o sábado que se acaba. Em breve vai anoitecer, nem todas as casas têm energia elétrica e o frio já está adormecendo as mãos. Mas as localidades de Dona Mariana e Pilões estão próximas e os voluntários querem aproveitar o restinho do dia.
Uma das casas no caminho de Dona Mariana é de Lucinéia Ferraz. Ela tem onze filhos, com idades entre 33 e 6 anos. Os dois caçulas são gêmeos e um deles, especial, não tem acesso aos tratamentos de saúde necessários. Ela mesma não perdeu nada com a chuva, mas vive em situação precária, em casa sem forro e com chão de terra. A filha mais velha perdeu a casa na enchente e Lucinéia assumiu um dos netos. Durante a conversa, a noite cai e mesmo com muito frio, as crianças ainda estão descalças. Mas estão bastante animadas com as visitas e com o quati de 9 meses, criado pela família como animal de estimação. Lucinéia e a sobrinha, que mora em um quartinho da casa, preenchem o cadastro. Recebem cobertores para aplacar o frio, já que dividem seis cobertas entre todos os moradores da casa.
Bebê guerreiro sobrevive à lama, mas família não tem o que comer
Enquanto uma equipe conversava com o Zé Nogueira, o grupo de Wesley foi visitar a Fazenda Manfredo. O que antes da tragédia era um hotel-fazenda, hoje sequer dá o sustento para a família de caseiros que não teve para onde ir. O casal tem sete filhos, com idades entre 9 meses e 15 anos. Ao lado, fica a casa da avó, separada por uma ponte de madeira improvisada. No dia da chuva, as casas foram tomadas pela lama e o bebê, então com 3 meses, foi encontrado pela mãe preso no barro. Estava vivo, passou cinco dias vomitando lama e, guerreirinho, sobreviveu. Mas desenvolveu uma falta de ar que, quando aparece, provoca desmaio.
O médico da rede pública que consultou o neném disse que é dengo; a mãe não sabe o que fazer quando o menino apaga. A família já passava por dificuldades antes do dia 12 de janeiro. O filho de 13 anos tem transtornos mentais não diagnosticados e a menina de 10 anos tem um problema no nervo óptico – perde gradativamente a visão. Uma criança ficou diabética após a enchente e a causa seria o estresse vivido. A filha de 12 anos está com problemas digestivos e fica dias sem conseguir comer. A voluntária que entrevista a mãe das crianças é nutricionista e recomenda que ela dê uma pequena quantidade de comida a cada hora, para que a menina não deixe de receber nutrientes. A resposta corta o coração: esta mãe acabou de colocar no fogo o último meio quilo de feijão que havia na casa. Como perderam a plantação, estão sem ter o que comer. Para completar, sem a estrada em condições de trânsito, as crianças precisam caminhar quatro quilômetros, todos os dias, para ir à escola.
Os voluntários deixam 12 cobertores e aquilo que conseguem reunir na hora para ajudar. O passo seguinte, menos imediato e mais efetivo, é identificar as famílias em situação de maior risco, como os caseiros da Fazenda Manfredo. Com os dados destas pessoas, será possível convergir os esforços e encontrar parcerias para sanar estas necessidades.
A solidão de quem precisa retomar a vida
O agricultor José Nogueira fica muito feliz com a chegada do voluntários do Ceso. Nesses seis meses, o morador de Córrego Frio já recebeu a visita de políticos, da defesa civil, de pessoas das quais ele nem se lembra muito bem. Cada dia torna a tragédia mais distante para quem foi ajudar logo que tudo aconteceu. As pessoas envolvidas ficam cada vez mais escassas. O grupo de voluntários Convergindo Esforços, Superando Obstáculos é dos poucos que se dedicam com a mesma disponibilidade do início a quem sofre como se fosse janeiro com as consequências da tragédia. Já passa das 14h e o pessoal aproveita para devorar o lanchinho que estava no isopor. Zé Nogueira oferece bananas docinhas, comidas com gosto pelos voluntários.
Zé Nogueira plantava jiló, abobrinha, tomate, morango. A produção era de três a quatro mil caixas de legumes por mês, que ele escoava pela estrada que liga Córrego Frio a Campo do Coelho. A paisagem foi danificada pelos deslizamentos e o rio, que tinha leito de 2 metros, hoje está com 15 metros de largura. A estrada acabou e a Empresa de Obras Públicas do estado abriu um caminho na lateral do morro, que era para ser provisório mas ficou permanente. O terreno é íngreme, vira um atoleiro com qualquer chuvinha, e não pode ser usado para distribuir a produção. Ele conseguiu comprar uma carreta e adubo com uma doação que recebeu do Banco Mundial, mas enquanto não puder escoar os alimentos, não pode voltar a produzir, sob risco de perder a safra.
O sítio era a casa da família do agricultor. Mas com a estrada do jeito que está, não dá para levar os dois filhos pequenos para a escola todos os dias. A esposa fica com eles de segunda a sexta no Centro de Friburgo e José cuida da mãe de 80 anos no sítio, enquanto retoma a produção para consumo próprio. Depois de responder ao cadastro, no cantinho, ele passa o número de telefone dele para a voluntária Fernanda. Pede que ela ligue a cobrar de vez em quando, porque "às vezes bate uma solidão…".
Início da missão em meio a nuvem de poeira
O objetivo de sábado é mapear 64 dos 112 pontos previstos para o fim de semana. A primeira dificuldade dos voluntários é confirmar se os pontos marcados no mapa são mesmo aquelas casinhas que eles encontram na estrada. As profissões de quem embarcou na aventura do Ceso são diversas: dentista, comerciante, técnico em eletrônica, professor, jornalista, publicitária, estudantes, agente de viagem, nutricionista e muitas outras especialidades. Eles precisam tomar intimidade com os mapas, os aparelhos de GPS, o jeito de fazer o cadastro.
Foram seis jipes para cada lado e uma nuvem de poeira toma conta da estrada. O Amarelinho, dirigido pelo promotor Wesley Salles, segue a direção da adutora de água. Eu vou com outro grupo para a área do condomínio Jardim Suíço. Logo no primeiro ponto, os marinheiros de primeira viagem ficam boquiabertos com os sinais da destruição. A área mostra muitas marcas de desabamento de encostas. Vemos lajes tombadas, veículos completamente retorcidos e é duro pensar nas pessoas que estavam nas residências no momento em que tudo veio abaixo.
Na primeira casa, duas famílias dividem o espaço pequeno. Eles respondem ao cadastro, que busca identificar quem perdeu o quê, sem dar chance a oportunismos. Mais à frente, vemos o que restou do Jardim Suíço. Lá, as perdas foram mais materiais do que de vidas, já que o condomínio concentra casas de veraneio e não havia quase ninguém na quarta-feira de 12 de janeiro. Mas as casas ainda submersas e a entrada completamente alagada mostram que pouco se aproveita do que antes eram casas de luxo, num condomínio que realmente já lembrou uma paisagem suíça.
Fora do condomínio está a propriedade da qual o caseiro Jorge Simas toma conta. Ele estava sozinho na madrugada do dia 12 e conta o desespero que sentiu quando viu uma tsunami de lama descer o morro diante da casa. Apesar da quase certeza de que iria morrer, Jorge resolver subir na parte da montanha que ainda tinha vegetação. Ficou agachado, tomando chuva e rezando até o raiar do sol, quando viu que sobreviveu e que muita coisa precisava ser feita. Os patos, marrecos e galinhas não resistiram. Não deu para começar uma nova criação, já que o espaço em que antes ficava o lago hoje virou terra firme. A luz só foi restabelecida no dia 3 de julho, após o dono do sítio entrar na justiça contra a Energisa. Nesses seis meses, apenas a conta de luz continuou a chegar. Hoje, Jorge tem medo de dormir sozinho no sítio. O sobrinho Júlio César, de 15 anos, e outros parentes fazem companhia.
Grupo parte para a aventura e Amarelinho vai no meio do comboio de jipes
Às 11h23, os voluntários do Ceso estão todos reunidos em frente à Queijaria Escola, na RJ-130, que liga Teresópolis a Nova Friburgo. Antes de sair, o grupo reza a Oração de São Francisco. Há budistas, católicos, espíritas e evangélicos entre os participantes, mas todos estão dispostos a levar esperança onde houver desespero e a consolar, mais do que ser consolado. Seis meses depois da tragédia, o grupo sabe que os avanços foram muito pequenos. Estradas e pontes permanecem destruídas, a população precisa de médicos e dentistas, de moradia, de apoio psicológico e algumas famílias carecem, inclusive, de alimentos. Entre as orientações para os recenseadores – muitos deles vão fazer este trabalho pela primeira vez – está ser duro na queda e não demonstrar fragilidade emocional, ao menos na frente de quem precisa de força para enfrentar o que está por vir.
O Amarelinho da Globo é guerreiro e vai participar do comboio, que se divide em quatro frentes. Será que a suspensão e os pneus vão dar conta dos trechos com pedras e das subidas íngremes no barro seco? Assim como os jipes, leva equipe de quatro voluntários, equipados com rádios-comunicadores, fichas de cadastro, cobertores para doação, lanchinho para passar o dia e bebida energética para aqueles que viraram a noite acertando os últimos detalhes da aventura.
Comboio de jipes sobe a serra para mapear necessidades de moradores atingidos pelas chuvas
O dia começa bem cedo para os 38 voluntários do grupo Convergindo Esforços, Superando Obstáculos, o Ceso. Às 6h deste sábado, eles começam a chegar ao Parque dos Patins, na Lagoa Rodrigo de Freitas, Zona Sul do Rio de Janeiro. Levam 170 cobertores e alimentos para doação, além de muita disposição para ajudar os moradores de Campo do Coelho, o terceiro distrito de Friburgo. Outros vão se unir ao grupo em pontos de encontro nas estradas Rio-Teresópolis e Teresópolis-Nova Friburgo.
Esses moradores são pessoas que perderam parentes, amigos, a casa, os animais de estimação e, muitas vezes, a esperança na enxurrada do dia 12 de janeiro. Os poderes públicos - omissos – repassam a responsabilidade para a esfera municipal, estadual ou federal: o importante é não assumir a culpa pelo descaso, pelo mau uso dos recursos, pela falta de transparência e pela incapacidade de administrar. Quem sofreu perdas há seis meses ainda contabiliza os prejuízos. Como falta mais de um ano para as eleições municipais, sequer políticos oportunistas aparecem para consolar quem já tanto sofreu.
Os voluntários do Ceso, como o nome já diz, não recebem nada pelo trabalho. Pelo contrário, tiram do bolso a hospedagem, a gasolina, a alimentação, a água e tudo o mais que precisam para o fim de semana em Nova Friburgo. Hoje, vão começar um trabalho parecido com o dos recenseadores. A meta é atingir 112 pontos apontados em um mapa – também elaborado voluntariamente – onde o estrago foi maior e as cicatrizes na terra anunciam o que está por vir com as próximas chuvas.
Ao mapear esses locais destruídos pela água, os voluntários poderão saber as principais necessidades dos moradores de Campo do Coelho. O registro inclui as famílias que estão sem casa, os problemas de saúde, a falta de alimentos e remédios. Inclui também abraços apertados, dois dedinhos de prosa, ouvidos atentos aos desabafos e oferta de frutas que já cresceram na lavoura desde o último verão. Muitas das fotos usadas aqui no blog do Globomóvel são da voluntária Fernanda Sanches, conforme se vê ao posicionar o cursor sobre as imagens. Agradecemos à Fernanda pelas boas fotos e pelas boas ações.
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